segunda-feira, 9 de junho de 2014

Uma noite no centro

    São Paulo, maio de 2012, Centro. Em pleno inferno astral e extremamente consciente  do pouquíssimo interesse do público pelo meu trabalho solo após minha saída de uma gig relativamente estável, - apesar da instabilidade do protagonista - me preparava para mais uma noite de puro amor à arte. Dois excelentes músicos pagos do meu bolso garantiam o suporte para meus delírios além do prejuízo econômico. O lugar era simpático, um bom cardápio de cervejas e sanduíches artesanais. Não havia palco nem iluminação específica para shows. A 100 metros uma esquina abarrotada de jovens tomando cerveja ignorava meu show. De público creio que poderia contar 8 ou 10 pessoas. A prioridade é exercitar o espetáculo, o show deve continuar. E gerar conteúdo. O produtor parceiro - ou seja, não ganhava nada - estaria de cameraman. Havíamos preparado dois sets, de aproximadamente 40 minutos cada um.  Vamos nessa.
     O show correu relativamente bem, musicalmente falando. Como o público diminuiu ainda mais ao longo do primeiro set, optei por fazer apenas um set, com uma mistura resumida do que seriam os dois. Na antepenúltima música, entrou no recinto um representante das criaturas da noite - pelas quais nutro simpatia - e começou a dançar e uivar durante um solo de guitarra em um sambarock. Nós músicos trocamos sorrisos mistos de resignação e curtição pelo absurdo da situação, e prosseguimos com o serviço. Eis que ao fim da última música, o bêbado deu uma pirueta e enfiou a cabeça na vidraça e desmaiou, ficando ali com a cabeça do lado de fora e o pescoço no vidro. Ninguém fazia nada, todos congelados com a situação. Eu larguei a guitarra, tirei o cara de onde estava girando seu corpo com cuidado e pousei sua cabeça no chão do lado de dentro da casa, perto das mesas. Rapidamente uma poça de sangue rodeou seu corpo. Ele parecia morto. Guardamos nossas coisas rapidamente . Em dez minutos a polícia chegou. Um dos PM entrou na bar, chegou perto e ficou olhando para o corpo estendido no chão por muitos segundos e disse :
 -Vamos chamar a perícia, disse.
   Já havíamos terminado de guardar nossos instrumentos e estávamos prontos para sair, tentando evitar o perrengue de depoimentos na delegacia, quando o cara acordou e sentou na calçada. O vidro não pegou na jugular.

https://www.youtube.com/watch?v=vnn0r6Zyh6A&hd=1




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