terça-feira, 3 de novembro de 2015

puro sentimento

esta manhã me levantei
pensando na sua pessoa
não havia amor perdido
não havia paixão à toa
era uma coisa boa
um sentimento puro
depois de sonhar com você
acordei de pau duro

terça-feira, 27 de outubro de 2015

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Besouro Preto - Cap.3

   Cinco horas da manhã passa o caminhão de lixo. Zé, ao volante, não percebeu que o tranco vindo da traseira do veículo significava algo que não poderia imaginar nem nos seus piores pesadelos. Seguiu até o lixão. Como de costume gritava para seus colegas mas desta vez eles não respondiam nem apareciam no retrovisor, pendurados e sorridentes em seus uniformes laranja. Achou estranho mas estava no meio de uma crise, trocando mensagens com a amante, que exigia uma ajuda mensal se não "ia contar tudo". Ao chegar no lixão clandestino, levantou  a traseira do veículo para descarregar o lixo. O cheiro não o incomodava mais. De manhã cedo era um pouco mais sossegado, o sol suave da manhã ainda não potencializava tanto o fedor.
  -E aí, galera, que porra é essa? Cadê vocês?
  Saiu do caminhão para conferir o que estva acontecendo. Foi seu último erro. As larvas-tentáculo, cada vez maiores, o atacaram vindo de todas as direções. Elas não entravam mais pela boca, estavam muito grandes para isso. Engoliram seu corpo, em questão de segundos. Cabeça, tronco e membros. As outras seguiram para o lixão. Com a quantidade de alimento ali, em poucos dias atingirão a idade adulta. Já ensaiavam os primeiros passos para a independência de cada uma. São quatorze no total. Os catadores de lixo viram algo assustador de longe e começaram a correr. Mas não adiantava. Elas são rápidas e estão com fome. O banquete se inicia.
(cont.)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Plano Perfeito

    O plano era perfeito: através da mentalização hiper-concentrada, fruto da obsessão judaico-cristã ocidental, meu espírito sairia durante o sono. A missão, motivo e meio da empreitada, seria invadir os sonhos de Isabel. Como um Íncubo, penetrar seu subconsciente e implantar a minha presença repetidamente. Noite após noite ela sonharia comigo e acordaria pensando em mim. Não tem como dar errado, o cérebro humano é uma usina de energia, pode acender lâmpadas e movimentar objetos. Pode ler pensamentos e levitar. Pode criar mundos e multiplicar sua unidade. Clones de Almas.
     Meu treinamento foi simples: toda noite eu pensava nela com força. Lembrando momentos, frases e principalmente seu rosto. O belo rosto de Isabel. Marcante e angular, poderia ter seguido carreira de modelo. Chegou a fazer ,ainda adolescente, uma sessão de fotos a convite de uma agente que a viu no shopping.  Mas não conseguiu se concentrar, achava ridículo posar, fazer cara de paisagem. Começava a rir ou fazer careta. Isabel adorava fazer careta. Deve adorar ainda, mas agora longe de mim. Muito longe. Sua carreira acadêmica a levava a lugares cada vez mais distantes e exóticos. Sem mim. Já faz três meses que ela fugiu com aquele professorzinho de merda. PHD, grande coisa.
    Era fácil pensar nela com força antes de dormir, já que eu fazia isso o dia inteiro. Desemprego não é sexy.  Coloquei em prática meu plano por um mês com afinco. Ela acordaria ao lado do PHDzinho de merda, só que pensando em mim. Tomaria café lembrando de nossos momentos. Mentalização tem poder. Daí para voltar para mim seria um pulo.

   Julio acordou cedo naquela manhã cinzenta e aproveitou para fazer a mesa do café da manhã. Lia o jornal quando Isabel chegou sonolenta e sentou-se à mesa. Julio recebeu-a com um sorriso:
-Bom Dia, meu amor.
-Bom Dia.
-Dormiu bem? Você parece cansada.
-Tive um pesadelo horrível.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Girando no espaço

    Um roda gigante do tamanho de um estádio de futebol girando no espaço. Abandonado há milhares de anos, um shopping center espacial em ruínas é a última recordacão de uma civilização extinta. As entradas para os estacionamento permanecem abertas, como se ainda esperasse clientes. Pedaços de meteorito colidem em câmera lenta com as paredes. Algumas lojas ainda tem a luz acesa por alguma tecnologia de geração de energia que sobreviveu muito tempo a seus criadores, sem nenhuma testemunha posterior de suas glórias. Containers e objetos incompreensíveis flutuam lado a lado eternamente em um ballet absurdo.
     Até que um dia foi encontrada.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Tomás Improta - A VOLTA DE ALICE - making of - 1

https://www.youtube.com/watch?v=v5hMSaq9UIc&feature=youtu.be 
Tive a honra e o prazer de assinar a Produção Musical do disco novo de Tomás Improta que será lançado este semestre.



Besouro Preto Cap.3

   Maria Antônia subia o morro de motoboy, pensando em como dizer à sua mãe que tinha sido despedida. Antes de passar pela caçamba de lixo ao lado do parquinho, notou que o formigueiro parecia maior do que ontem. Desde criança gostava de observar insetos, pediu para descer ali mesmo. Faria o resto do trajeto à pé, depois de dar uma olhada no formigueiro.   Pagou o motoboy e o viu se afastar.  Catou um graveto do chão. Quando estava quase encostando o graveto no formigueiro, dezenas de larvas-tentáculo explodiram as paredes do formigueiro e avançaram em sua direção. Ela soltou um grito que foi rapidamente abafado quando entraram pela sua boca em uma velocidade estonteante. Ninguém viu, já era de noite e o formigueiro ficava atrás da caçamba . As larvas-tentáculo rodopiaram e devoraram suas entranhas fazendo um som de um cardume de piranhas atacando um boi. Ela só pode arregalar os olhos nos seus últimos segundos de vida. Deixaram a pele, os cabelos e as roupas. Estavam bem maiores agora. Serpentearam para dentro da caçamba, que exalava um cheiro forte de gato morto.
(continua)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

lembraram do céu azul

Entre escombros futuros
reconhecer-se-ão de longe
sorrisos constrangidos
-vamos tomar um café?
mas não existem mais cafés
ela ajeitará os cabelos atrás da orelha direita
ele coçará a nuca
ontem teve eclipse
o primeiro pós-apocalipse
lembraram do céu azul
dizem que teve uma colheita no sul
assuntos pretextos
momentos bissextos
bate rebate coração
combinarão de se telefonar
mas não há mais operadoras de celular
no lugar das antenas, buracos no chão
fila da água
fila do pão
roupas rasgadas
fogueira de violão
-nossa, tão bom te ver
-tão bom te ver também
-a noite já vem, ficar na rua é perigoso
-tem razão
despedem-se como se fosse ainda o tempo da fartura
cada um pro seu lado
respectivos abrigos lotados
o acaso cruzará seus caminhos outra vez

ou não

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

língua inventada

como forma de vingança
apelava ao silêncio
ainda que por extenso
este não se aplicasse
como se gritasse pelas pontas dos dedos
uma coleção de segredos
em uma língua inventada
que ninguém entendia nada

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Besouro Preto Cap.2

  A noite veio com chuva. A umidade é boa, o Fungo agradece. Rainha-Mãe gosta e sorri vibrando suas antenas. Não daria ouvidos para o pedido de encontro do Guerreiro Ancião. Já sabia o que ele iria dizer. O Besouro Preto, a Lenda, o Egito, os Extraterrenos. Conhecia aquela história muito antes de comer a Geléia Real e começar a crescer. Sua Missão era parir e gerir mentalmente seus filhos. Mas o Guerreiro Ancião era mais velho do que ela, tinha nascido de sua antecessora. Não podia ser controlado, então era subornado com mimos exclusivos. Havia funcionado até hoje.
   FFP continuava insistindo em uma audiência com a Rainha-Mãe. Os assessores e guardas não levavam a sério aquele velho, mas respeitavam suas história, se não ele já teria sido preso ou até sacrificado. O Besouro Preto era Pré-Alimento de qualidade, não havia com o que se preocupar.
    O Depósito de Pré-Alimento estava quase lotado. Era uma Comunidade Próspera. O primeiro sinal de que algo estava estranho foi quando a carcaça do Besouro Preto começou a vibrar, quase imperceptivelmente. Enquanto isso , no céu, a chuva começava a rarear. A Lua Cheia logo estaria à vista, de trás de nuvens de algodão desfiado. A carcaça vibrava cada vez mais rápido. O Guarda na porta nem desconfiava. De Repente a vibração parou e a carcaça foi rompida em um só golpe de dentro para fora por mil tentáculos brancos, que pareciam larvas. Os tentáculos se espalharam rapidamente pelo depósito inteiro.  Eram Larvas. A Carcaça começou a crescer. Os tentáculos se soltam e tomam vida própria, forçando os portões do depósito. O guarda percebeu um som estranho vindo do depósito. Foi conferir o que acontecia. Foi a primeira vítima. Um dos Tentáculos-Larva o engoliu rapidamente e seguiu em frente pelo corredor. A Rainha sentiu. (continua)

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Besouro Preto - cap.1

  O Besouro Preto morreu de velhice. Bateu no prazo de validade marcado em seu DNA. Ele simplesmente parou de andar segundos antes de alcançar a parede do quarto. Três minutos depois, a primeira formiga, o batedor de identificação YYZ-567800,  atraída pelo cheiro, se aproxima e encosta suas antenas ao longo do corpo. Confirmado. Enviando sinais para a Equipe de Resgate de Pré-Alimentos. Em 15 segundos chegam começam o trabalho. O Besouro Preto - que deixa família, viúva grávida de 350 filhos - é eficientemente desmontado membro a membro. Patas, antenas e asas. Dependendo do tamanho da peça, é carregada individualmente ou em grupos de até 3 formigas. A carcaça restante depois é carregada pela subequipe 93, composta de 36  formigas robustas, criadas à base de uma mistura fortificante especial para os carregadores. A Rainha já recebia os sinais da operação em andamento. Estava satisfeita. A Equipe 17 era extremamente eficaz, destaque na comunidade. Era uma operação tranquila, não havia nenhum animal doméstico naquela casa, que no momento estava sem nenhum humano. A próxima chegada estava prevista para daqui a 5 ciclos. Mas eles tinham um alto padrão para manter, todos estavam sendo monitorados para uma possível promoção. Operações Externas de Alto Risco. O risco era maior, assim como o prestígio. E havia a vantagem da nova dieta, MindFuller 57, que operava mudanças externas e internas no indivíduo. Aumento de massa muscular, aumento de Q.I. e aumento de cota de alimentação. Uma provável diminuição do tempo de vida, mas valia a pena.
    Havia poucos anciãos sobreviventes da Equipe de Operações Externas de Alto Risco.O mais respeitado era  FFP-002301, que chegara a conquistar uma toca individual e alimentação a domicílio. Um Herói. Tinha sido o líder do histórico resgate de um gato morto no meio fio, em plena rua. A operação envolveu 15 mil formigas e durou uma semana, sem descansp. Rodízio de 4 equipes. FFP ficou ligado direto, a base de ANFETONOSOL. Era uma rua em uma favela, não havia retirada de lixo. Mas muita gente passava por ali, era perto do lixão. Muita competição por aquele tesouro. A equipe de resgate precisou terceirizar a defesa com Saúvas Mercenárias, essenciais para garantir o transporte seguro do Pré-Alimento , que gerou Fungo para a comunidade por um semestre inteiro.
   Mas havia algo diferente naquele besouro. Sua linhagem milenar vinha do Egito e suspeitava-se de conexões extraterrenas. Havia lendas que corriam à boca pequena.  FFP, ao saber que traziam um Besouro Preto para a Comunidade, tentou marcar uma sessão com a Rainha. Mas ela estava ocupada com a expansão das Dependências e precisava urgentemente de Fungo para sustentar o aumento de trabalho com as Obras de escavação. Não tinha tempo para um velho cheio de manias, muito menos dar ouvidos a lendas populares. Este foi seu grande erro.  (continua)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Flash Urbano n. 16 - padaria e portão

  Esperava na padaria da esquina, tomando um café o mais lentamente que pudesse. Seus aliados eram seus óculos escuros, dois jornais de oposição e uma revista governista. O calor já dava sinais de que iria se tornar insuportável a qualquer momento mas ele insistia em calça comprida, sapatos e uma camisa preta. Sua mesa estava em um canto sob o toldo, ao lado de uma mesa desocupada, felizmente. Para fazer passar o tempo que precisava esperar, adotava a técnica de fazer os pedidos um a um. Primeiro: café. Segundo: Pão na chapa. Terceiro: suco de laranja. Quarto: outro café. Já são 9:30. Não deve demorar muito. A moça que o servia não se esforçava nem um pouco para disfarçar sua reprovação ao esforço excedente que a causava. Vingava-se ignorando seus pedidos até que ele levantasse e sacudisse os braços compridos de uma forma estranhamente espalhafatosa para um homem de meia-idade. Aí a moça vinha, quase bufando. Velho folgado. Final Libertadores. Emmy. 9:38. Estava funcionando. Abre-se a porta do prédio antigo sem elevador que ele observava do outro lado da rua de trás dos óculos escuros . Finalmente! Eis que sai um aposentado de bermudas com um poodle grisalho. Ainda não. Será que ela não vai ao trabalho hoje? Terei que voltar amanhã. Governo anuncia aumento de impostos. Estréia de exposição de Matisse. 9:47. Pode estar atrasada hoje, apesar de não ser do seu feitio. A porta branca abra outra vez. É ela. Vestido florido e cabelo molhado. Perfeita. Está atrasada. Desce a escada com pressa. Ela vai a pé ao trabalho todo dia com suas belas pernas. Pisando na ponta dos pés. Continua linda. Passa quase correndo pela padaria do outro lado da rua. Não nota seu observador. Não nota que todos olham ao vê- la passar. Vamos,vamos, já passa da hora. Vai, linda, vai cuidar da sua vida. Ele só teria sua agonia para lhe oferecer.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O Sommelier de Conversas

    O Sommelier de Conversas vivia para a Conversa Perfeita. Sabia que sua timidez e ceticismo não o permitiriam puxar assunto com todos que encontrava. Gostava desse filtro. Desprezava conversinhas e fofocas em geral. Não conversava sobre o tempo e não sabia nada de futebol. Considerava a Conversa Perfeita uma espécie de Aurora Boreal, uma dádiva rara que dependia de se estar no lugar certo da insondável loteria do Santo Acaso, a única Divindade em que acreditava. E, claro, havia o Casting.
     Gostava muito de sexo mas não conseguia considerar a hipótese de transar com quem não pudesse conversar depois de uma trepada, por melhor que fosse. Muitas de suas melhores conversas haviam sido na cama. A endorfina liberada durante o orgasmo aumentava a tolerância para deboches e críticas carinhosas. Alguns de seus alvos preferidos eram relações passadas e suas personas anteriores. Usava sem pudor de humor autodepreciativo.Criticava com carinho e condescendência seus comportamentos em outras épocas. Pareciam peles de cobra. Mas havia o fantasma da D.R. , seu grande temor. Conversas não precisam ter uma função. Eram o objetivo em si. Uma conversa também pode ser uma tortura. Principalmente na cama. Não, D.R. não, por favor. O riso era sua salvação. O riso também merecia ser uma divindade.  Já vira uma foto de um Buda gargalhando.
   Conversas durante o ato eram um prazer peculiar:
 -Admiro muita sua concentração.
 -É? - respondeu, ofegante, olhando de banda para trás.
 -Quando você está trabalhando, não se distrai...Você sempre é muito focada. Por exemplo, quando está dando para mim, nada mais existe.
 -Ai!
 -Foi mal.
       Havia criado seus próprios critérios para classificar as conversas. A Fluidez era o mais importante. A Interatividade era essencial.  Uma boa conversa é como um jogo de Frescobol. Não há pontuação, não ˙há vencedor nem perdedor. O negócio é não deixar a bola cair. Há uma categoria muito interessante na qual não se encaixava apesar de ter sua admiração, a dos Contadores de Histórias. Mas estes operavam no registro do Monólogo. A conversa era é uma dança de idéias. It Takes Two to Dance, someone said something like that.  A originalidade de abordagem sobre assuntos comuns lhe interessava mas era difícil superá-lo neste item. O que gostava mesmo era Presença de Espírito. Ah, As línguas latinas e seus detalhes, seus contrastes barrocos, seus maneirismos. Em inglês, bastava apenas 3 letras : WIT. Uma mulher espirituosa é uma criatura irresistível.
      Havia o Bar. O álcool aumenta os décibeis e esquenta os ânimos, liberando opiniões que provavelmente ficariam guardadas. Qualquer assunto poderia ser abordado, Até o futebol, descontando sua ignorância sobre as regras mais básicas e sobre nomes. Admirava Paulo César Caju e Sócrates. Não pelo que jogavam, pois lhe faltava instrumentos para isso. Mas pelo que diziam. Certa ocasião entabulou uma conversa com um amigo que durou 5 horas, por 3 bares. Passaram desde política até o Bizarro, alter-ego maligno do Super-Homem em um universo paralelo. Música, mulheres, músicos, moradores de rua, milho trangênico nas cervejas da Ambev. O Açaí em Belém do Pará não é doce, tem uma função culinária parecida com a farofa.  Por que os tantos artistas fizeram seus melhores trabalhos nos anos 70 ? Mark Twain. Lídia Brondi.
      Sua profissão lhe fizera viajar bastante, colecionando impressões pontuais e politicamente incorretas sobre os lugares em que esteve. Procurava identificar padrões, é da natureza humana. A televisão e os celulares lhe incomodavam bastante, mas não estava imunes a estes. Era como quando se apaixonava. Dividia-se em dois. Identificava o processo do crescimento de uma obsessão ao mesmo tempo que se entregava. Queria ver o circo pegar fogo.

"I needed someone / with a quicker wit than mine / Dorothy was fast" - The Ballad of Dorothy Parker - Prince
   

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Gesto Mágico

   Finalmente conseguira. Depois de livros, tutoriais no youtube, dicas de gurus de colegas de trabalho e anos de tentativas fracassadas, agora sabia que havia conseguido o que tanto almejara. Estava consciente durante seu sonho. Sabia que estava sonhando. Poderia fazer qualquer coisa que imaginasse. Fez um pequeno teste, coçou o nariz. Funcionou. Quis coçar o nariz e o fez. Sim! Estava sentada em uma cadeira no meio de uma sala vazia. Parecia um estúdio de fotografia. Pé-direito alto, paredes brancas, uma delas com fundo infinito. Havia adquirido superpoderes, era a hora de usá-los. Quis um telefone celular para avisar as amigas, pelo menos a Lisa. Não, isso seria um desperdício de superpoderes , poderia fazê-lo quando acordasse. Quis um vaso de flores sobre uma mesa. Em um piscar de olhos, materializaram-se na sua frente. Exatamente como quis: Uma orquídea amarela rodeada de flores do campo. YES! Levantou-se da cadeira e deu uma volta ao redor da sala, que parecia maior. Estava consciente durante o sonho mas seu subconsciente continuava trabalhando. Não havia antes essa rachadura nessa parede. Consertou-a imediatamente. Lembrou-se da mexida do nariz da série "A Feiticeira", que tinha visto no Youtube.  Havia criado seu próprio gesto mágico, que consistia em piscar os olhos ao mesmo tempo que avançava com a  cabeça em um gesto curto e rápido. Assim que abria os olhos, seu desejo se materializava. Chega daquela sala. Queria o espaço sideral. Depois do gesto mágico, estava rodeada de estrelas, mas ainda estava sentada na cadeira. Ao longe via se aproximar sua mãe. O rosto era da Cher, mas sabia que era sua mãe. Coisas de sonho. Não queria a Cher, piscou e devolveu o rosto original de sua mãe, que já estava a 10 metros de distância , com o braços abertos e uma expressão que parecia dizer:
  -Filha, você fez merda mas eu te amo e te perdôo.
   Quis sair de lá. Sua mãe compreenderia. Aliás, não era sua mãe, era apenas uma projeção do subconsciente. Dane-se, queria dançar. Precisava dançar. Imaginou uma pista de dança tocando Daft Punk. One More Time, que já ficou vintage. Aliás, com o próprio Daft Punk tocando na festa. Imaginou um palco, luz de discoteca incluindo bola de espelho. Mirror Ball. Podia ter o John Travolta dançando com a Rihanna. Fariam um belo casal. Pronto. Um grupo de 5 amigas tipo BFF, uns 50 figurantes alto-astral e aquele cara que ela tinha ficado ano passado e nunca mais tinha visto. Qual era o nome dele mesmo? Não importa. Lembrava da cara dele e que beijava bem. Piscou os olhos e tudo que havia imaginado materializou-se na sua frente. Era bom demais. Suas amigas a saudaram com gritos de alegria e abraços coletivos saltitantes. One More Time bombava no som Surround. Luzes psicodélicas as envolviam em um clima de pura alegria. Superpoderes. Ao longe, John Travolta - agora de cabelo black power - rodopiava com Rihanna pelo salão alternando movimentos dos séculos XX e XXI. No bar, Palmirinha fazia bons drinks, ao lado do Loro José e o porteiro Severino, que tinha a cara de José Dirceu. Seu subconsciente continuava fazendo das suas. Eis que abre a porta e quem entra? Aquele cara gato que ela tinha pegado no ano passado mas não sabia o nome. Eles se olharam e rolou um clima. Ele começa a andar em sua direção, seu coração começa a bater mais rápido. De repente a cara dele vira a de um cocker spaniel com a língua de fora.  John Travolta ainda girava com Rihanna pelo salão mas agora em uma velocidade sobre-humana. One More Time repetia mais uma vez. Rihanna se transforma em uma Louva-a-Deus gigante with sexy dance moves. John Travolta solta um grito de mocinha em filme de terror e sai correndo. Chega desse cenário. Uma praia no Tahiti seria a próxima parada. Fez o gesto mágico. Seria uma longa noite.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Flash Urbano n.15 - filho da puta

-Filho da puta!-gritou, com a cara transtornada de raiva.
-(...)
-Fala alguma coisa, seu filho da puta! Fi-lho-da-pu-ta!
   Ele, ciente de que seria inevitável passar por isso,resignava-se a olhar para o chão. Nada que dissesse mudaria nada. Esvaziou-se de qualquer reação e esperava que acabasse aquele sofrimento.
-Seu filho da puta! - e avançou com as unhas tranformadas em garras para o peito dele, que tinha começado a analisar , quase fascinado , como ela podia se transformar em outra pessoa quando estava com raiva. Segurou seus braços, tentando não machucá-la. Filhodaputa,filhodaputa,filhodaputa, repetia mentalmente o xingamento até esvair-se de qualquer sentido. Quem é essa pessoa? Que lingua é essa? O que faço aqui?

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Chato

    Não havia jeito. Achava o cara insuportável de chato. E o fato deste ser gente boa, sempre com a melhor das intenções, o tornava pior ainda. Era como a raiva daquele que recebia ajuda constante por quem o ajudava. "-Quem você pensa que é para me ajudar assim?" "- Como ousa tornar-se tão necessário logo agora que eu preciso tanto?" Era como a fábula da sapo e do escorpião. O escorpião não podia lutar contra a sua natureza. Era além da moral, além do julgamento. Era como aquela canção que dizia "Te perdôo por te trair."
    Quando o chato gente fina começava a falar, a mente do incomodado com sentimento de culpa imediatamente começava a se afastar para longe dali, com um sorriso falso e sutil. Não havia o que fazer, sua boa índole e sua culpa cristã não o permitiriam destratar o chato. Ele não tinha culpa em ser assim. Era de nascença. Talvez de formação. Como assim não tinha culpa? Ele ria e explicava as próprias piadas. Ele sempre ajudava os colegas de trabalho. Ele nunca fazia nenhum comentário sarcástico. Ele era querido por todos. Ele tinha objetivos óbvios. Ele queria salvar o planeta. Ele devia se vestir de Super-Herói e ajudar velhinhas a atravessar a rua, resgatar gatinhos do alto de árvores. Mala do caralho. Ou então era tudo fachada. Na calada da noite ele saía de carro com placa adulterada para atropelar transeuntes distraídos e anotava as baixas em um moleskine amassado, como troféus secretos. Aí sim o tédio do incomodado poderia se desenvolver livremente até uma raiva decente, que cobraria atitudes mais pro-ativas.
     Uma vez - quão ousado! - resmungara sozinho 10 metros após se despedir:
 "-Puta cara mala, meu!" Depois, culpado, olhou em volta para se certificar que ninguém tinha ouvido o desabafo. Chegou a olhar para trás. O chato sorriu e acenou. RAIOS!

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Fluxo

Pílula número 359. Homero já falou que não era pra passar de 350. Só uma vez HAHAHAHA. Foda, essa parada é foda , a cabeça começa a vibrar OU eu começo a sentir como se ela estivesse vibrando OU ela está sempre vibrando mas eu preciso tomar essa parada pra sentir essa vibração . Devem ser minhas veias pulsando mas aí teria que ser a cabeça toda por que afinal de contas a minha cabeça está cheia de vasos sanguíneos, aliás o corpo todo está cheio de vasos sanguíneos. Por que não sinto o corpo todo vibrar? Só sinto a cabeça. E sinto as orelhas quentes. Dizem que sentir calor nas orelhas quer dizer que estão falando mal de mim. Motivo não falta HAHAHAHAA que nem aquela vez que fui no Posto 24 horas noiadaço de 316, meus olhos saltando das órbitas, e eu fiquei encarando a moça da caixa -bonitinha até - quando ela perguntou:- Débito ou crédito? HAHAHAHA eu sou foda. Não tinha mais ninguém, tava só nós dois. Eu não faço nada mas eu gosto de tirar onda. HAHAHAHAHA Eu sou foda. Puta qui Pariu, essa parada é foda, às vezes bate umas ondas de calor. Será que a menopausa é assim HAHAHAHAH Caralho meu coração tá batendo muito rápido. Parece tamborim carreteiro TAQUITICATATAQUITICATA Se eu ficar preocupado com isso ele pode acelerar mais ainda. Homero avisou. Será que eu vou morrer? HAHAHAHA não peraí, tá esquisito , não tô sentindo o braço. Acho que tô de pau duro Cadê meu celular ? CARALHO CADÊ MEU CELULAR? Minha cabeça tá pulsando muito rápido. Nunca foi assim. NUNCA FOI ASSIM  PORRA Eu tenho que ligar pro Homero Eu tenho que ligar pro Homero, ele vai saber o que fazer. Peraí, ele vai sab

Luz Azul

    Ao acordar de um cochilo no sofá em uma tarde fria de domingo, notou uma caixa no meio da sala.  Não temia seu aparecimento sem explicação, apesar dele estar sozinho e o cochilo, de acordo com seu relógio, ter sido de 10 minutos. Temia o também inexplicável sentimento de familiaridade que a caixa que nunca havia visto lhe despertava. Como se já a conhecesse de outras vidas. Sua superfície lisa de um azul desbotado emitia uma leve luz também azul e um som grave e fraco que parecia um motor. Uma espécie de zumbido. Por alguns segundos olhou pela janela e viu a mesma luz saindo de muitas janelas dos prédios à sua volta. Muitas não. Todas. O que seria isso? Que caixa interessante. Uma paz que não conhecia começava a lhe envolver. O zumbido grave aumentava aos poucos, alcançando uma dimensão que não havia percebido antes. A cidade zumbia azul. Ele começou a emitir um som MMMMMMM e tinha cada vez mais dificuldade em piscar os olhos. Sua mente aos poucos lhe abandonava. A luz da tarde lentamente morria e ele não tirava os olhos da caixa.  Ele estava hipnotizado. Nada mais percebia, além de uma paz que ele queria que continuasse. A noite chegava e avançava e ele continuava com os olhos fixos na caixa azul. Não sentia fome tampouco. Seu relógio continuava marcando as horas que passavam. A luz começou a ficar mais forte.
    Ouvia-se batidas de carro nas esquinas. O zumbido e o MMMMM ficavam cada vez mais altos. A luz azul cada vez mais forte começou a dissolver os contornos da caixa, tornando-a uma grande bola azul.  Nuvens de chuva azuladas começam a derramar água por toda a cidade, sem ninguém prestar atenção. A manutenção deficiente faz o sistema elétrico da megalópole entrar em pane em várias áreas. A luz azul subitamente se apaga.
   Acorda do transe, surpreso por já estar de noite. A caixa não estava mais ali, deixando uma espécie de saudade.
-Sonho estranho!
   Salvo pelo apagão.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Desafio Matinal

   O grande desafio de hoje em dia é estar inteiro em cada atividade. O Guru daquela página Haribô do Facebook falou de Mindfullness. Um termo em inglês traz mais credibilidade, principalmente se for dita por alguém de nome asiático. Pode ser chinês, indiano, mas tem que ser asiático. Mas não pode ser russo. Russo é muito estressado. Vou aplicar esta abordagem de "Estar inteiro" ao meu café da manhã:
  Não sei como se chama o artefato que uso para fazer meu queijo quente matinal. Chapa? Não é uma torradeira que cospe torradas, é do tipo chapa quente, um tampa levanta para se colocar o sanduíche e ele ficar bem apertadinho. Tem que colocar manteiga em cima e embaixo, para o pão não grudar. Não podemos exagerar no queijo, se não quando ele derreter, vasa no tal eletrodoméstico, que doravante chamarei de "chapa". A chapa possui tomada de três pinos do tipo do Estados Unidos. Perto do fogão há uma desse tipo, não encontro o adaptador. Tenho que ver isso. Postei uma foto ontem no Instagram de um pôr do sol em meio aos prédios, totalmente Gotham City. Quantos likes será que já tem? Tenho que ver isso.  Estar inteiro, tenho que voltar ao queijo quente. Mas a Joana - aquela filha da puta - bem que podia pelo menos dar uma curtida. Ela tem olho de fotógrafa. A chapa! Retirei da geladeira o queijo e cortei duas fatias tortas e nem muito finas - não será um mesquinho sanduíche de pão -, nem muito grossas, se não o queijo derretido vai cagar tudo. Depois se raspar com faca, pode tirar aquela proteção que não me lembro o nome, e liberar metais tóxicos para o organismo do consumidor. Muito perigoso isso. Metais tóxicos. Hoje ainda não olhei nenhuma mensagem do Facebook. Hoje vence a conta de luz e gás, que não estão mais no débito automático. Hoje faz 3 meses que aquela filha da puta saiu de casa e ainda levou o cachorro. Após colocar as fatias de queijo entre as fatias de pão, passei manteiga nos dois lados do sanduíche. Em seguida, coloquei-o na chapa, fechei e liguei. Opa, já estava ligada, desde quando coloquei na tomada. Enquanto espero a luz verde acender, avisando que o queijo-quente está pronto, posso tomar um café. Joana - aquela filha da puta que me deixou e levou até o cachorro - fazia um café excelente. Não sei fazer café, vou tomar um Nespresso. É absurdamente caro, mas foda-se. Li que iam fazer um sinal de foda-se no Facebook. Acho muito válido. Como seria o sinal? Um dedo médio levantado? Não creio que passe a ideia tão claramente. FODA-SE. Como dizer Foda-se com as mãos? Escolhi o negocinho preto para o Nespresso. Café forte. Incrível a tecnologia mas é caro pra caralho. E ainda devem vir partículas de alumínio em cada xícara. Quando fura o negocinho ,hein? Aqueles furinhos na tampa de alumínio. Deve ter uma página do Nespresso no Facebook. Não vou curtir. Espero a luzinha parar de piscar para poder apertar o botão que faz meu café.  De repente, um sinal sonoro - um estalo seco , metálico - vindo da chapa avisa que a outra luzinha da chapa acendeu. A verde. O queijo. Começou a obra aqui do lado. Esporro do caralho, puta merda. Meu queijo quente ficou pronto. Aparência excelente. Nem muito claro nem muito escuro.  O queijo não vazou. Retiro-o com a faca, tomando cuidado para não raspar a chapa, que pode soltar metais tóxicos. Consistência e espessura também irrepreensíveis. Meu queijo-quente ficou perfeito e fez um belo contraste no prato azul. Vou postar no Instagram. Rápido, antes que esfrie.
   

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

livros e freestyle

    Os livros são minha garantia de felicidade. Mesmo a mais desgraçada das tragédias me trará prazer. Se for bem escrita.  Escrever bem não é escrever difícil nem prolixo. Borges (possível parente distante de Burgess) dizia evitar adjetivos em sequência, pois traziam a suspeita de gradações ilusórias e desnecessárias . Twain evitava adjetivos e advérbios, principalmente os últimos, que odiava.
     Camadas, histórias paralelas, personagens apaixonantes e odiosos, Plot Twists. O mistério do Flow, o Carisma dos livros, aquela mão feminina sedutora que nos levanta pelo nariz e leva para onde quiser, como um cheiro de um bolo assando em um desenho animado.
      Livros ficam ótimos na sala. Ficam ótimos no chão do banheiro, ao redor da cama. Livros sustentando prateleiras de livros. Uma casa de livros.  Livros livres, livros pesados, livros leves. Love. Her back on the table. Bati na bunda dela escorada na mesa com um livro de bolso do Dalton Trevisan. Ficou rosada. Ela pediu mais. Eu disse não, eu queria antes ouvir "Por Favor". Depois teve o que merecia.  Antes do amanhecer saiu de fininho, felina. Um dia ela volta, a maldita.

sábado, 29 de agosto de 2015

Flash Urbano 14 - Bar das Putas


      Uma ocasião ele a levou a um bar na praia onde as putas se encontravam, pegavam clientes e descansavam entre os trabalhos. Conhecido como Bar das Putas. Conversaram sobre política, bolsas de estudo científicas. Debocharam de relacionamentos anteriores enquanto tomavam chopes e observavam divertidamente as negociações em andamento ao redor. Suspeitavam - não sem alguma culpa - de que participavam de uma elite. Bonitos, inteligentes, cultos, bem-nascidos e acreditavam não julgar ninguém.  Mimados e não mais tão jovens. A vida já lhes sorrira um bocado, agora começava a cobrar as dívidas.  Através dos anos, já tinham destruído corações ao longo de uma grande área geográfica. 
      Um ambiente antropologicamente rico e decadente como aquele deixava os ânimos exaltados. O número de frases espirituosas disparadas por minuto naquela mesa de alumínio não deixava o sexo, tão presente ali, interferir na conversa. Não havia necessidade da sedução, já haviam passado desta fase. Era apenas um adiamento do que iria inevitavelmente acontecer. Eles gostavam de provocar. Ele pagou a conta em dinheiro. Um táxi os esperava na porta. Foram para a casa dela e treparam a noite inteira como se não houvesse amanhã. E, de fato, não havia. 

Flash Urbano número 13 - bandeira

      Ainda tinha mais a dizer. Impressões a compartilhar. Compartilhavam um humor espirituoso quase debochado que havia se tornado uma marca. Qualquer assunto, qualquer notícia poderia se encaixar nessa linguagem que haviam criado. Mas não havia sentido, aquela porta havia se fechado.  Continuar enviando mensagens pelo celular parecia parecia prolongar o sofrimento antes de uma morte certa.  Mas a saudade continuava incomodando. Chegara a escrever uma carta a mão, que nunca chegaria a enviar. Não tinha coragem nem raiva suficiente para destruí-la. Ela repousava como um fóssil dentro do caderno. As três versões do manuscrito.  Parecia ridículo. Havia aberto seu coração e compartilhado seus sentimentos de um jeito que não fazia há vários anos. Não havia volta , destruíra seu personagem de misterioso. Agora era o apaixonado rejeitado que balbuciava boleros que não sabia a letra.
      Ela ainda fraquejava. Havia optado por impulso o fim por telefone. Tinha medo de vê-lo, medo de ouvir sua voz. Havia tanto por fazer. Viajar para a Europa, dançar, ir à praia. Casar, ter filhos, tudo que protelara em prol da carreira e de que tanto ouvia falar. Precisava saber como era. Ele não se encaixava nos seus planos. Muitos reajustes. Não, tudo devia ser como havia planejado, se não seria errado. Mas volta e meia ainda se lembrava dele e seus lábios se abriam ao deixar sair um suspiro discreto em frente ao computador.



sábado, 22 de agosto de 2015

flash urbano número 12 - a volta da mulher-gato

   Estava decidida a dar para ele. De preferência hoje. Não houvera um processo consciente sobre a mudança de direção. Simplesmente havia acordado com esta decisão. Sabia que não devia requentar esse caso, que ia dar merda, mas não importava. A trepada seria incontornável. Ela sabia que ele estaria disponível em qualquer condição que ela impusesse. Não havia culpa, não havia sofrimento. Não havia frieza, e sim a tranquilidade quase zen frente ao inevitável. O sexo seria incrível, mas depois ele começaria com aquela lengalenga romântica de sempre.  A ressaca viria mais tarde. Com força. Mas agora não importava, já estavam se despedindo por mensagens de Whatsapp:
-Chego em 15 minutos.
-Ok.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Ciclos

     Acreditava em ciclos. Escolhera acreditar em ciclos. A ilusão da existência de padrões serve como um placebo para a vida e seus descaminhos. Escolher acreditar que uma pílula de açúcar contenha o remédio de que precisa. E essa fé promove processos químicos em seu cérebro que realmente melhoram sua condição. Conseguia felizmente com que a consciência do processo não diminuísse seus efeitos.
     Os ciclos de sete anos pareciam uma bom sistema. O número sete carrega uma mística misteriosa da qual se ouve falar vagamente mas não se sabe detalhes. Ciclos pessoais, profissionais, revolução astral, o escambau. Ceticismo pode ser sexy mas é muito linear. Tudo tem explicação. Tinha simpatia pelo caos, a evolução vinda da tentativa e erro através dos tempos. Darwin, Dawkins, Namedroppings. Era amigo do caos, convivia com o caos. Mas preferia desconfiar de uma ordem secreta. O Karma é uma ideia muito sedutora, muito mais do que o vaidoso culto da personalidade promovido pela Reencarnação. Um bumerangue cósmico acende referências de quadrinhos da Marvel dos anos 60. Um Karma orgânico, autogerido como um coral marinho. Uma colônia. O Universo como um organismo. Sem comissão julgadora. Punições atravessando gerações lhe pareciam uma ideia ingênua. A consciência de um erro pode ser sua própria punicão. A consciência do acerto como porta de entrada para um grande salão iluminado e silencioso. A paz interior como recompensa pela paz interior. Felicidade é silêncio. Todas as religiões seriam  metáforas, fábulas com moral e não manuais de instruções para a vida. A interpretação de texto como porta para dimensões superiores de consciência. A palavra como mágica. A palavra escrita como tatuagem. A palavra dita como presença física. Um corpo de som. A palavra cantada como hipnotismo.
      Escolhera acreditar na paixão, essa obsessão sazonal que tanto foi reverenciada na literatura e que, de tanto ouvimos falar de seus efeitos, aprendemos a criá-la, alimentá-la e senti-la. Ao mesmo tempo que identificava seus processos e suas distorções, abraçava seus efeitos como se inevitáveis. Comprando um ingresso para a montanha russa.  Não sabemos de nada, mas podemos escolher a rádio que toca enquanto dirigimos nossos carros na estrada da vida. Clichês e metáforas com sua eficiência implacável , ainda que mal-vestidos.
       Tinha uma noção superficial das escolas de filosofia, o pouco que lera apontava direções que já havia pensado por si só. Secretamente se parabenizava e preferia ler ficção, poesia e história. Mas o Estoicismo despertava sua simpatia. A vida não lhe deve nada, meu amigo.

terça-feira, 7 de julho de 2015

poesiazinha

venho por meio destas mal traçadas linhas te pedir que abandone meus pensamentos
venho por meio destas mal traçadas linhas te pedir que abandone meus pensamentos
meus pensamentos detentos
desalentos tantos

mal chegaste e já te vais
bem te quis, se mal te fiz
foi sem querer
se mal me fizeste
não sei se o quiseste

venho do leste, tu vens do oeste
nos encontramos ao norte e ao sul
eu nunca disse i love you
nunca o disseste tampouco

venho por meio destas mal traçadas linhas exigir que abandone meus pensamentos
deste jeito estou ficando louco
nossos encontros nas vias de fato em breve não caberão nos dedos da mão
nunca fazemos cenas
cartas sempre na mesa

as palavras que lavras
as notas que tocaste
as notas que edito
as palavras que cometo
meto meto meto

gostosa
voluntariosa
linda quando goza
depois tira onda com a minha cara
minha cara 
minha tara
balzaquiana





SENSE8

   Eu consumo séries de tv. Apesar de reconhecer as técnicas pra fisgar espectadores, me deixo levar e assisto. Conecta-me à Zeitgeist, me agrada o fôlego maior e menos embromação em comparação às telenovelas diárias. Fui conferir a tão falada Sense8. Identifiquei uma intenção de apresentar diferentes realidades para o jovem. Vários países, vários níveis sócio-culturais e orientações sexuais das personagens. Em tempos de doutrinação nos produtos audiovisuais - sempre foram assim, mas agora é mais explícito - me agradou a intenção de aprendizado de empatia, mas me incomodou um clima de comercial de Coca-Cola e de empresas de pesquisa. Personagens pinçados de vários cantos de mundo conectados extrasensorialmente, compartilhado realidades, sentimentos e habilidades. Comparado com tantas séries tão imperialistas, pró-E.U.A, misóginas e fúteis, vejo uma evolução nas intenções. Mas falta profundidade. Todos são bomzinhos?A conferir.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um poeta

   Apesar da torneira da água quente já estar dando sinais de cansaço e necessitar de um macete que só ele sabia para fechá-la totalmente, ainda era uma Jacuzzi. Apesar da gritaria interminável da maldita escola de playboys, do campo de futebol do prédio vizinho e no estacionamento, palco de debates diários, todos ao redor, era um belo apartamento. Grande, arejado e com algum horizonte, coisa rara naquela cidade.  Saiu do banho imbuído de uma vontade de escrever. Era um poeta. Nunca havia publicado nada mas era poeta, sabia no seu íntimo. Quando andava na rua e os porteiros e seguranças o xingavam, era um poeta. Um artista incompreendido. Quando os adolescentes tiravam fotos suas às gargalhadas de escárnio, sabia que era um poeta. Antes de abrir o gás, deixou um bilhete que dizia:
   -Vocês não sabem de nada.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Golfinhos

   Desconfio que os golfinhos nos são superiores. A linguagem deles que para nós são apenas squik squik, alcança patamares superiores através de seus sonares poderosos e sutis. Através dos sons eles conseguem -informações de Carl Sagan- criar intencionalmente paisagens tridimensionais sonoras. Para avisar que há um tubarão a caminho, simulam a silhueta do reflexo de um tubarão a caminho. E todas as outras situações para que a linguagem pode servir. Poesia sonora espacial. Hologramas de audio. Uma frase que cria um ambiente sonoro. Um parágrafo que É um ambiente sonoro. Imagine que onda seria um gracejo de um golfinho para uma golfinha em forma de um som que imita uma onda em forma de bolha que os envolve. Surfistas, poetas, músicos, escultores, nadadores, dançarinos. Não precisam de carros, não precisam de roupas nem apartamentos. Utilizando pedras, corais e o fundo arenoso do mar, os ecos são planejados e criam castelos impossíveis de água. Apenas feche os olhos.
  Squik, Squik.

quotes quiz:
"We could swim like dolphins."
"Thanks for the fish."

dolphin dance-herbie hancock  https://www.youtube.com/watch?v=iB2Z2DY17yQ




quarta-feira, 22 de abril de 2015

Flash Urbano nº 11 - Noite de sexta

Ela jogou-se na cama aos prantos, abraçando dois travesseiros. Ela os apertava com força, como se pudesse deles extrair a dor que sentia. Não havia mais nada além daquele sentimento puro. Não repetia em sua mente o que a havia conduzido àquela situação. Sorvia aquele momento como se fosse um prazer. Os carros não buzinavam mais, os vizinhos não ouviam música alta depois das 22h. Seu filho pequeno não chorava. Não chovia, não trovejava. Nada mais havia. Em um movimento brusco, virou de costas e fitou a luminária. Ainda soluçava. Nunca gostara daquela luminária. Não tinha sido barata e ele que escolheu. Amanhã procuraria outra.  Buzinou um carro impaciente.  22:30. Horário do caminhão de lixo. Os vizinhos ouvem Bon Jovi. Seu filho dormiu. Parou de chover.  Ligou a Tv. Novela. Perfeito. Chocolate na segunda gaveta. Ainda há esperança.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Flash Urbano n.10 - 1973

    Sua salvação era o sexo dos pombos. Desde que tinha sido preso no DOI-CODI devido a suas posições políticas -Um militar comunista, onde já se viu?-, observar os pombos pela janela era o que mantinha suas sanidade. As suas sessões de tortura que lehe eram reservadas eram mais de natureza psicológica. Hinos militares a volumes ensurdecedores, temperaturas gélidas alternando com o bafo do inferno. A privação do sono começa a fazer efeitos alucinatórios a partir do terceiro dia. Mas havia a janela da qual se via um pátio onde se reuniam pombos. A corte do pombo era um ritual previsível mas com pequenas variações. O pombo seguia a pomba onde quer que ela fosse. Ela voava para a chaminé, lá ia ele atrás. Se ela descia imediatamente após a chegada dele, não havia problema. Não havia protestos, não havia muxuxo. Os pombos seguiam sua programação genética com a inexpressividade de um peixe. Mas havia o movimento frenético do pescoço para frente e para trás. Parecia que estava de alguma forma associado ao movimento das patas. A corte podia durar até dez minutos em média. Eis que, de repente, a pomba resolve continuar onde estava, mesmo com a chegada do pretendente. Sutilmente dava as costas para este, de ladinho. Ele, prontamente a montava e fazia o que tinha de fazer. A cópula durava não passava de ridículos dois segundos. O lance era a corte.
     Quando a temperatura começava a baixar, ele começava a pular. Polichinelos eram familiares. Ele podia imaginar que era um cabo siberiano. A observação dos pombos era melhor quando o clima da sala estava mais quente. Quanto menos movimento, melhor. Difícil era vê-los voando. Invejava com todas suas forças a estupidez dos pombos. Eles podiam voar.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Exercício de Descrição de Personagem N.2

      Tinha raiva do vizinho. Ele não trabalhava, onde já se viu? E vivia nesse apartamento grande, com que dinheiro?  E maconheiro, ainda por cima. Deve ser traficante, com certeza. E ainda cumprimentava "Bom Dia" no elevador, que cara-de-pau. Por ela, tinha que ir pro paredão, crivado de bala. Semana passada teve festa lá na casa do tarado. Com certeza, tarado. Outro dia, olhou para uma adolescente no Shopping. Onde já se viu? Olhou para a bunda dela, ela viu. Quer dizer, quem viu foi a colega, Neide. Mas o segurança pegou o vídeo da câmera de segurança e vai botar na Internet. Ele vai ver só.  Mas nessa festa do tarado tinha mulher tatuada, tinha viado, música alta até tarde. E tinha muito músico cabeludo, essa raça do Demo. Ela só gosta de música de Louvor. Brigou com a mãe, expulsou a velha de casa. Macumbeira, onde já se viu? Tinha até estátua de São Jorge, Cruz Credo!

terça-feira, 14 de abril de 2015

exercício de descrição de personagem n.1

    Chegou a alcançar algum sucesso em algum período distante. Autógrafos semanais, compras à vista, contas de restaurante pagas em cash. Mas nunca deixava que as circunstâncias lhe embotassem a certeza de que tudo passaria. Sabia que não fazia parte daquele universo sorridente, era um passe com prazo de validade. Não esperou ser despedido, se adiantou e pediu para sair. Seu talento era tão grande quanto a sua incompetência social. Não sabia fazer política, alternava entre o desprezo e carência. Idolatrava em segredo a figura do gênio incompreendido. Se fazia de cínico mas na verdade era um romântico. Seu ego grande e frágil precisava de aprovação constante. Era como um balão furado que precisava sempre ser enchido. Depois de dois anos e meio de delírios artísticos sem reconhecimento algum teve que se render a um trabalho que seria absolutamente inimaginável em outros tempos. Nada como o dia-a-dia para mostrar como as coisas são.  Acabaram as reservas e as contas continuavam chegando.
    Boatos sobre a sua sexualidade eram de uma variedade impressionante. Seu olhar era tão expressivo que expressava até o que não sentia, incendiando fantasias alheias. Estava na boca do povo. O nome queimado na praça. Sua vaidade não permitia que ignorasse as opiniões dos outros tanto quanto gostaria. Seguia em sua especialidade: Balzaquianas. Mulheres na casa dos 30 e 40 tem o equilíbrio entre o savoir-faire e o viço da juventude.  O frenesi e a falta de assunto das muito jovens lhe entediava. Precisava de uma boa conversa. Precisava de história, queria mulheres com passado.  Em festas se arrastava acuado pelas paredes mas era imbatível em um Petit- Comitê. Em uma mesa de bar era um virtuose. Seu conhecimento superficial sobre uma variedade absurda de assuntos e suas tiradas mordazes não deixavam pedra sobre pedra. Elas caíam feito moscas. Seu rosto quase bonito não atrapalhava. Não era um cafajeste, quase não mentia. O leve desespero pela maternidade incentivava nelas uma objetividade muito peculiar e proveitosa, que ele aproveitava com discrição e até alguma sinceridade.  Cartas na mesa, sempre. Considerava a sequência de mulheres como uma espécie de compensação pelas dificuldades que a vida dura lhe trazia. Dificuldades filosóficas principalmente. Vivia de renda, possuía alguns apartamentos que herdara e alugava. Não precisava de luxo, vivia quase como um monge, tirando a parte do celibato. Os porteiros não conseguiam decifrar aquele enigma. Era tema diário de discussões de calçada. Faziam até apostas.

sexta-feira, 27 de março de 2015

o aprendizado do ódio

o aprendizado do ódio
vem de casa
vem da mesa de jantar
da sala de estar
da televisão no piloto automático
da indigestão mental
a certeza sem questionamento
a falta de amor
a falta de amor
a falta de conversa
a falta de carinho
a falta de atenção
crianças canalizando o ódio dos pais
e seus empregos frustrantes
suas rotinas humilhantes
suas carruagens poluentes
individuais
o outro é sempre concorrente
o outro é inimigo
todos juntos e separados
todos fodidos
todos enjaulados
nem imaginam como pode ser diferente

quinta-feira, 26 de março de 2015

improviso matinal

Trendsetting
low selfsteem
soneca, atchim
branca de neves disso
"gente de bem"
cheia de aspas
falando mal
coçando caspa
vendo no outro o veneno que tem em si
tropecei na casca de banana
caí de pé
não quero saber
mas fico sabendo
quero fugir do assunto
que continua voltando
essa cidade vai nos engolir
mas antes vai sacudir
vai espremer
a inveja
o medo
o degredo
o segredo imaginário
divulgado no noticiário
holofotes
snapshots
cachalotes
huguenotes
rimas internas
influência do rap
metalinguagem é um vício teimoso
as palavras me vem aleatórias
sem sentido
escolha o seu
não fique zangado
não seja dengoso
nas esquinas intrigas otárias
a "verdade" fica sendo o que parece, não o que é
vale o que pega na boca do polvo
fatos não tem nada a ver com isso
deixa disso
não tenho nada com isso
coitado
"gente de bem"
adora um linchamento
depois do lanche da tarde
antes da nova novela velha
que acaba de estrear
uhuuu




sexta-feira, 20 de março de 2015

Asas do Desejo e intervalos no flow

   Fui pego de surpresa pelo filme Asas do Desejo, de Wim Wenders, passando no canal Arte 1. Filme lindo, que assisti há bem mais de 20 anos. Envelheceu como um bom vinho. A Berlim dos anos 80, ainda dividida. Anjos circulando entre os humanos, ouvindo seus pensamentos, acolhendo seus dramas e às vezes invejando seus contrastes, suas montanhas-russas. Mas há intervalos comerciais cortando o flow do filme. Outrora comuns, hoje me parecem agressões incompreensíveis. O filme voltou. Ouvir pensamentos cada vez mais se torna um vício. Um dia brotar-me-ão asas, suspeito. E sei que depois quererer cair outra vez. Volta o filme, aqui me despeço.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

uma dia frio

   A janela embaçada mostra que o aquecedor voltou a funcionar na madrugada. A neve era uma coisa linda antes de conhecê-la de perto. O dia em que quase quebrou a bacia ao escorregar na portaria da vendinha do coreano foi um marco. Odeia a neve, especialmente a lama preta e escorregadia em que ela se torna quando toca o chão e começa a derreter. Não há nada para comer em casa, terá que enfrentá-la quando a fome tornar-se insuportável. Bateu saudade das meninas. Violão e cigarro vão trazer algum conforto. Não atendem meus telefonemas. Hoje tem show.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

construção constante

    Gosto de aprender, esquecer e aprender de novo. Não entendo os artistas que continuam fazendo a mesma coisa sempre. Burilando sua especialização. Repetir até ficar diferente. Alguns dos meus músicos preferidos são assim. Personalidade forte e pouca versatilidade. Outros de meus músicos preferidos tem fases e interesses distintos, a versatilidade é parte da sua essência.  Reduzir a fases a mutiplicidade  implicaria em uma sequência cronológica, quando muitas vezes são canais distintos que trabalham em paralelo.
   Fases/canais que identifico no minha expressão artística e nos meus interesses auditivos:
-trilhas sonoras orquestrais mainstream
-improviso;

-instrumental brasileiro;
-jazz
-rock 
-soul/funk/r'n'b
-hip hop;
-Brock
-pop

-mpb
-progressivo
-blues
-country
-choro
-folk
-samba
-noise
-ambient
-erudito contemporâneo
-impressionismo

sábado, 31 de janeiro de 2015

improviso

coragem para mergulhar num sentimento
que aumenta ao redor enquanto tudo mais fica menor
poesia no computador é uma coisa estranha
o tec tec não ecoa
com o erro não se negocia mais
editar é fácil demais
a rima nos ensina a sina
rima interna quebra perna
metalinguagem obsessão
camisa de força
macacão sem dono
eu não sou ludista
mas há encantos
no tempo dos quebrantos
dos santos
das marionetes
das vedetes
das fadas
dos monstros
dos vilões
dos alçapões
no fluxo do pensamento
na escrita a mão
mas a caneta também foi feita à máquina
plástico, tinta e tungstênio
tinta é veneno
tinta é remédio
acabou o papel
quimera quem dera vir me visitar
na minha sala de mal estar noturno
bota e coturno nunca usei
pé de chinelo eu sou eu sei
não sou do tempo do nanquim
e agora o que me diz?
sem tecnologia
só vale o que se fala
somente o que estala
na língua
que acaricia
e xinga
e ignora
e estica e enrola
e corrobora com toda intenção
consciente ou não
acabou-se o que era la dolce vita
la fonte di trevere
no parlo niente
escrevo de memória
invento alguma história
nesta madrugada
verborragia propedêutica
hermenêutica
ethos, pathos
não sei o que quer dizer nada de deixa disso
faço um feitiço
toco de ouvido
play by heart
repeat from the start
you foxy foxy lady
minha oitava insistente
seus dentes
seus cachos
suas ancas
que agarro nacos
preciso cortar as unhas
preciso conhecer a cataluña
seus dentes secos
sua luz quente
flores dos seus ombros
brotarão dos escombros
como eram lindos meus navios que irei incendiar





quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Concreto

-Construir represas gigantes é mais lucrativo para as empreiteiras do que reservas de água para cada bairro.
-Construir hidrelétricas gigantes é mais lucrativo para as empreiteiras do que captação de energia solar em cada casa.
-Construir hospitais gigantes é mais lucrativo para as empreiteiras do que postos de saúde de medicina preventiva para cada bairro.
-Construir escolas gigantes é mais lucrativo para as empreiteiras do que construir escolas pequenas e médias em cada bairro. (aumentar o piso salarial e investir na capacitação de professores, nem pensar, mas estou falando de construções)
-"Privatiza que melhora." ‪#‎soquenao‬
-Está tudo na cara. A prioridade é o lucro, e não o cidadão. As empreiteiras mandam. Bancam as campanhas dos candidatos da situação e oposição. Vivemos no país do concreto. E, quer saber, não gosto do Niemeyer. Os desenhos são bonitos, mas as construções não são para pessoas usarem. Pouco banheiro e nenhuma árvore. E concreto esquenta pra caralho.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Livros

   Leio 4 livros ao mesmo tempo. De preferência ao mesmo tempo, alternando entre os 4. Gosto que sejam bem diferentes entre si. Ficção, tem que ter. Um de poesia, é bom. Um de história ou coisa parecida. De vez em quando um em inglês, francês ou espanhol. Os mais difíceis demoram mais e os mais fáceis vão mais rápido. De vez em quando algum volta.  Tenho evitado entrar em livrarias por que o prejuízo é certo e não estou podendo gastar muito.  Sebos tornam-se mais perigosos ainda por que compenso os preços baratos com uma montanha de livros.  Não entrei na onda do Kindle. Fiquei seriamente impressionado com o depoimento de um jornalista que foi entrevistar Susan Sontag, que morava em uma casa de 4 andares com as paredes cobertas de livros. Lembrei de Borges e seus Labirintos. Mundos dentro de Mundos dentro de Mundos. A Internet nos tem a todos presos nas suas garras. Os livros me salvam das timelines hiperativas, hoaxes irresistivelmente verossímeis, fatos questionáveis, listas inúteis e eventos fictícios. Fotos de pratos. Um close em um hamburguer. Reclamações de reclamações. Opiniões, piniões, piniões. Vida de gado. Eu costumava ser mais independente, eu costumava ser mais distraído, eu costumava ser mais concentrado, eu costumava ser menos nostálgico, menos contraditório, menos metalinguístico. A juventude e suas certezas avassaladoras que vão se esfarelando na poeira dos dias, na poeira das esquinas.