terça-feira, 22 de setembro de 2015

Flash Urbano n. 16 - padaria e portão

  Esperava na padaria da esquina, tomando um café o mais lentamente que pudesse. Seus aliados eram seus óculos escuros, dois jornais de oposição e uma revista governista. O calor já dava sinais de que iria se tornar insuportável a qualquer momento mas ele insistia em calça comprida, sapatos e uma camisa preta. Sua mesa estava em um canto sob o toldo, ao lado de uma mesa desocupada, felizmente. Para fazer passar o tempo que precisava esperar, adotava a técnica de fazer os pedidos um a um. Primeiro: café. Segundo: Pão na chapa. Terceiro: suco de laranja. Quarto: outro café. Já são 9:30. Não deve demorar muito. A moça que o servia não se esforçava nem um pouco para disfarçar sua reprovação ao esforço excedente que a causava. Vingava-se ignorando seus pedidos até que ele levantasse e sacudisse os braços compridos de uma forma estranhamente espalhafatosa para um homem de meia-idade. Aí a moça vinha, quase bufando. Velho folgado. Final Libertadores. Emmy. 9:38. Estava funcionando. Abre-se a porta do prédio antigo sem elevador que ele observava do outro lado da rua de trás dos óculos escuros . Finalmente! Eis que sai um aposentado de bermudas com um poodle grisalho. Ainda não. Será que ela não vai ao trabalho hoje? Terei que voltar amanhã. Governo anuncia aumento de impostos. Estréia de exposição de Matisse. 9:47. Pode estar atrasada hoje, apesar de não ser do seu feitio. A porta branca abra outra vez. É ela. Vestido florido e cabelo molhado. Perfeita. Está atrasada. Desce a escada com pressa. Ela vai a pé ao trabalho todo dia com suas belas pernas. Pisando na ponta dos pés. Continua linda. Passa quase correndo pela padaria do outro lado da rua. Não nota seu observador. Não nota que todos olham ao vê- la passar. Vamos,vamos, já passa da hora. Vai, linda, vai cuidar da sua vida. Ele só teria sua agonia para lhe oferecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário