segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O Sommelier de Conversas

    O Sommelier de Conversas vivia para a Conversa Perfeita. Sabia que sua timidez e ceticismo não o permitiriam puxar assunto com todos que encontrava. Gostava desse filtro. Desprezava conversinhas e fofocas em geral. Não conversava sobre o tempo e não sabia nada de futebol. Considerava a Conversa Perfeita uma espécie de Aurora Boreal, uma dádiva rara que dependia de se estar no lugar certo da insondável loteria do Santo Acaso, a única Divindade em que acreditava. E, claro, havia o Casting.
     Gostava muito de sexo mas não conseguia considerar a hipótese de transar com quem não pudesse conversar depois de uma trepada, por melhor que fosse. Muitas de suas melhores conversas haviam sido na cama. A endorfina liberada durante o orgasmo aumentava a tolerância para deboches e críticas carinhosas. Alguns de seus alvos preferidos eram relações passadas e suas personas anteriores. Usava sem pudor de humor autodepreciativo.Criticava com carinho e condescendência seus comportamentos em outras épocas. Pareciam peles de cobra. Mas havia o fantasma da D.R. , seu grande temor. Conversas não precisam ter uma função. Eram o objetivo em si. Uma conversa também pode ser uma tortura. Principalmente na cama. Não, D.R. não, por favor. O riso era sua salvação. O riso também merecia ser uma divindade.  Já vira uma foto de um Buda gargalhando.
   Conversas durante o ato eram um prazer peculiar:
 -Admiro muita sua concentração.
 -É? - respondeu, ofegante, olhando de banda para trás.
 -Quando você está trabalhando, não se distrai...Você sempre é muito focada. Por exemplo, quando está dando para mim, nada mais existe.
 -Ai!
 -Foi mal.
       Havia criado seus próprios critérios para classificar as conversas. A Fluidez era o mais importante. A Interatividade era essencial.  Uma boa conversa é como um jogo de Frescobol. Não há pontuação, não ˙há vencedor nem perdedor. O negócio é não deixar a bola cair. Há uma categoria muito interessante na qual não se encaixava apesar de ter sua admiração, a dos Contadores de Histórias. Mas estes operavam no registro do Monólogo. A conversa era é uma dança de idéias. It Takes Two to Dance, someone said something like that.  A originalidade de abordagem sobre assuntos comuns lhe interessava mas era difícil superá-lo neste item. O que gostava mesmo era Presença de Espírito. Ah, As línguas latinas e seus detalhes, seus contrastes barrocos, seus maneirismos. Em inglês, bastava apenas 3 letras : WIT. Uma mulher espirituosa é uma criatura irresistível.
      Havia o Bar. O álcool aumenta os décibeis e esquenta os ânimos, liberando opiniões que provavelmente ficariam guardadas. Qualquer assunto poderia ser abordado, Até o futebol, descontando sua ignorância sobre as regras mais básicas e sobre nomes. Admirava Paulo César Caju e Sócrates. Não pelo que jogavam, pois lhe faltava instrumentos para isso. Mas pelo que diziam. Certa ocasião entabulou uma conversa com um amigo que durou 5 horas, por 3 bares. Passaram desde política até o Bizarro, alter-ego maligno do Super-Homem em um universo paralelo. Música, mulheres, músicos, moradores de rua, milho trangênico nas cervejas da Ambev. O Açaí em Belém do Pará não é doce, tem uma função culinária parecida com a farofa.  Por que os tantos artistas fizeram seus melhores trabalhos nos anos 70 ? Mark Twain. Lídia Brondi.
      Sua profissão lhe fizera viajar bastante, colecionando impressões pontuais e politicamente incorretas sobre os lugares em que esteve. Procurava identificar padrões, é da natureza humana. A televisão e os celulares lhe incomodavam bastante, mas não estava imunes a estes. Era como quando se apaixonava. Dividia-se em dois. Identificava o processo do crescimento de uma obsessão ao mesmo tempo que se entregava. Queria ver o circo pegar fogo.

"I needed someone / with a quicker wit than mine / Dorothy was fast" - The Ballad of Dorothy Parker - Prince
   

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